Sentido e responsabilidade

· por Redacción
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Estamos acostumados a ouvir dizer que a publicidade, mesmo que seja má, é sempre boa. É o mesmo que dizer que ainda que falem mal de mim, é bom que falem. Mas será que a má publicidade é uma boa estratégia a longo prazo?

Há alguns meses éramos surpreendidos com a campanha da Pepsi “Protest” (Protesto), protagonizada pela modelo Kendall Jenner.

No anúncio podemos verificar como a modelo participa numa manifestação que ocorre na rua. Quando esta se junta à multidão, formada por homens e mulheres de distintos grupos étnicos, com cartazes e símbolos de paz, que por sua vez pega numa Pepsi e avança para a primeira fila. Uma vez aí, aproxima-se do grupo de policias e oferece a sua bebida a um deles. O polícia bebe um gole e todos os manifestantes celebram com entusiasmo. Toda a cena é ambientada com a música “Lions” de Skip Marley que inclui excertos como:

 

We are the movement, this generation

You better know who we are, who we are

 

Foi um erro monumental. A Pepsi inspirou-se nos protestos raciais que têm tido lugar nos últimos tempos nos Estados Unidos para fazer um spot que não conectou com nenhum dos seus públicos. Neste momento, apropriar-se de um movimento social existente e banalizá-lo significa não entender nada de nada. Nem movement, nem generation, nem who we are que lhe o valha.

 

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O momento clímax do anúncio da Pepsi emula esta fotografia tirada numa manifestação de Baton Rouge (Louisiana). Fonte: @Phil_Lewis_ (Twitter)

 

O spot tornou-se viral durante vários dias e recebeu imensas críticas, o que obrigou a marca a retirar a campanha e a desculpar-se com todos aqueles que se sentiram ofendidos. Posto isto, cabe-nos a nós perguntar como é que uma multinacional como a Pepsi pode cometer um erro tão grande. Para além do audiovisual, o que pretendiam com este spot? Tinham alguma estratégia em mente? Alguém tinha pensado seriamente na imagem que a marca iria transmitir?

 

A publicidade de marca: o conhecimento como ponta-de-lança

Hoje em dia não basta ter uma marca conhecida, vender um produto que seja bom ou lançar uma campanha publicitária muito criativa. O conhecimento é cada vez mais importante e é um elemento que nos vai permitir tecer o tecido de uma marca forte, com capacidade de crescer e evoluir.

  • Conhecer a nossa marca é fundamental para detetar os nossos pontos fortes e os nossos pontos fracos, bem com as possíveis ameaças e oportunidades que se devem combater ou aproveitar, respetivamente.
  • Estar em contacto com a realidade implica estar em contacto com o presente. Manter-se informado da atualidade é uma prioridade para saber indentificar-se (ou não) com as tendências ou temas que são atuais e que estão de acordo com a personalidade da nossa marca.
  • Para comunicar com as pessoas, em primeiro lugar, temos que saber a quem nos dirigimos. Saber como são, como pensam, como se expressam, quais são os seus interesses e, definitivamente, saber como é o seu estilo de vida.

 

Pensar no êxito

Outro caso muito diferente é o da Heineken e “Worlds Apart” (Mundos separados). A cerveja verde recorreu a um conceito similar ao da Pepsi e, no entanto, este spot já foi batizado por alguns meios como o anti-Pepsi.

 

O foco nos dois casos é muito diferente. Aqui a união entre as pessoas ocorre de uma forma quase íntima; duas pessoas que não se conhecem, de perfis políticos opostos, encontram-se para conversar. Não é um conceito novo, nem sequer o são os perfis dos participantes. No entanto, na nossa opinião, estamos perante uma comunicação que se afirma por várias razões:

 

  1. Segue uma estratégia: Há algum tempo que a cerveja holandesa abandonou a ideia de se diferenciar (“Think about green”) e dirige a sua estratégia em dar poder ao consumidor. A Heineken sabe que a cerveja tem um papel fundamental nesse empoderamento, quase como um MacGuffin que vai aparecendo ao longo de um filme. O que é certo é que a cerveja ganha importância na comunicação, em que o produto se converte num elemento de comunhão, para no final descobrirmos, que são mais as coisas que nos unem, do que as nos separam.
  2. É credível: Um dos grandes erros que vimos em “Protest” é a falta de veracidade. Utilizar uma celebridade como símbolo da luta contra a desigualdade é, no mínimo, duvidoso. Por outro lado, temos desconhecidos com papéis com base em tópicos que não nos deveriam surpreender. Mas, no final, acreditamos no que estamos a ver, e essa é uma grande diferença.
  3. Não se aproveita de nenhum movimento social: Em “Worlds Apart”, não é possível identificar um movimento social concreto. No entanto, ninguém pode deixar de pensar no momento político que estamos a passar. Desde que Trump chegou à Casa Branca, os protestos pelos seus comentários misóginos, homofóbicos e racistas não deixam de suceder.
  4. O produto não está em dissintonia: Como se comentou anteriormente, a cerveja é um elemento que se soma em conjunto, sendo um ponto de união e uma desculpa para aproximar atitudes e potenciar o entendimento.
  5. Transmite valores: Ao ver este spot podemos identificar distintos valores de marca positivos, que ajudam a construir a identidade de marca. São valores fáceis de serem reconhecidos por todos, mas que é igualmente importante que estes se reflitam no contexto e no seu público-alvo, uma vez que a marca também se constrói através dos mesmos. Nesse sentido, a comunicação joga com as emoções e nota-se que não pretende deixar o espectador indiferente, apesar do resultado final não está em desarmonia com tudo o resto.

Em suma, construir uma imagem de marca negativa, por muito comentada que seja, não é favorável. Não dizemos isto por pensarmos que retirar uma campanha possa supor um problema para a Pepsi, mas por pensarmos que cada vez que construímos uma imagem de marca negativa, se está a perder uma oportunidade de criar uma marca melhor. Uma marca responsável. Uma marca útil para a sociedade. E não nos enganemos: as polémicas são efêmeras, mas o futuro é das marcas que aspiram a ser melhores.

 

Carles Griset

Razoável